No último dia (9), o Auditório do Instituto de Ciências Jurídicas da Universidade Federal do Pará (ICJ/UFPA) foi palco do I Colóquio sobre o (Não) Lugar das Dissidências Sexuais e de Gênero no Sistema Socioeducativo. O evento, promovido pela Fundação de Atendimento Socioeducativo do Pará (FASEPA), por meio da Diretoria de Atendimento Socioeducativo (DAS) e Núcleo de Gestão de Pessoas (NGP), e em parceria com o programa de empregabilidade trans do ICJ/UFPA, reuniu agentes socioeducativos das 15 unidades da FASEPA para uma discussão crítica sobre a inclusão e os desafios enfrentados por corpos dissidentes no sistema socioeducativo.
O encontro teve como objetivo principal refletir sobre como as identidades sexuais e de gênero diversas desafiam o fazer das unidades socioeducativas da FASEPA. Atualmente, essas instituições enfrentam desafios significativos devido a práticas que ainda seguem modelos tradicionais e rígidos, que não reconhecem adequadamente a diversidade de gênero e sexualidade. Isso cria dificuldades para a inclusão de indivíduos transgêneros, levando a problemas como falta de privacidade e regras disciplinares que não consideram suas necessidades específicas. Esses desafios tornam mais difícil a criação de Planos Individuais de Atendimento (PIA), de fato, eficazes e condizentes com as demandas dos jovens.
O colóquio foi cuidadosamente planejado para atingir três objetivos principais. Primeiro, buscar entender como os processos de homogeneização e hierarquização impactam indivíduos com identidades de sexo e gênero diversas dentro das unidades socioeducativas da FASEPA. Isso inclui identificar como essas práticas afetam a realidade desses jovens e como podem ser ajustadas. Em segundo lugar, o evento se dedicou a analisar os aspectos legais e históricos do uso do nome social para pessoas trans, com foco nas particularidades do atendimento socioeducativo. Por fim, o colóquio visou propor uma reorganização das práticas institucionais, com o objetivo de criar um ambiente mais inclusivo e respeitoso para todos os jovens, considerando as especificidades das dissidências sexuais e de gênero.
Para o Professor Dr. Geraldo Barros, o movimento em questão é fundamental na busca pela humanização do atendimento socioeducativo, refletindo um esforço para superar práticas que violam os direitos básicos dos indivíduos. Em especial, destaca-se a necessidade de garantir a vivência plena e livre em termos de gênero e sexualidade, combatendo qualquer forma de intervenção que possa cercear esses direitos invioláveis. A visão do professor Barros é clara ao enfatizar que a transformação do atendimento socioeducativo deve ir além da mera eficiência, abraçando uma abordagem que respeite e promova a dignidade e a liberdade de expressão de cada indivíduo.
Reflexão Crítica e Coletiva
Durante a roda de conversa, os participantes tiveram a oportunidade de refletir criticamente sobre os desafios enfrentados e discutir estratégias para a revisão das práticas institucionais. A proposta era promover uma dinâmica de reflexão coletiva que permitisse aos profissionais do sistema socioeducativo avançar na discussão e na implementação de mudanças que garantam o respeito à diversidade e a proteção integral dos jovens atendidos, conforme preconiza o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e pelo Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE).
Flávia Lemos, psicóloga e professora da UFPA, ressaltou que “A ética é mais do que uma abstração, ela é o cotidiano dos nossos modos de vida, que nos tira da alienação, nos tira de um aliamento, e nos coloca em uma condição de alteridade.” Essa perspectiva ética é essencial para a construção de uma sociedade mais justa e democrática, como evidenciado pelos princípios do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE). O ECA, ao garantir direitos fundamentais a crianças e adolescentes, e o SINASE, ao assegurar medidas socioeducativas que promovem a reintegração social, ambos refletem a busca por uma equidade real e uma cidadania inclusiva. Esses mecanismos legais não apenas defendem direitos, mas também incorporam a ética como um guia para a construção de uma sociedade onde a reciprocidade e a igualdade de direitos são valores centrais, estabelecendo assim um modelo de convivência mais ético e democrático.
O evento marcou um passo importante na busca por um sistema socioeducativo mais inclusivo e sensível às questões de gênero e sexualidade, evidenciando a necessidade de uma abordagem que considere as particularidades e os direitos de todos os indivíduos, independentemente de suas identidades.
A Dra. do ICJ/UFPA, Luana Tomaz, destacou a evolução do debate sobre gêneros e sexualidades, afirmando que “Quando falamos de gêneros e sexualidades, nós estamos falando de direitos sexuais, hoje ainda não temos uma legislação específica dos direitos sexuais, mas temos várias convenções que vão mencionar os direitos sexuais como direitos.” Ela observa que, no passado, a discussão sobre sexualidade era restrita ao âmbito da reprodução, como se o sexo existisse apenas para fins de procriação. Atualmente, o diálogo se expande para uma “cidadania sexual”, um conceito que permite aos indivíduos expressarem sua sexualidade livremente e reconhecerem seus direitos dentro desse contexto.
O evento contou com a presença de diversos especialistas e profissionais comprometidos com a discussão das questões de gênero e sexualidade no contexto socioeducativo. Entre os participantes estavam a Dra. Luanna Tomaz, do Instituto de Ciências Jurídicas da UFPA (ICJ/UFPA), a Dra. Flavia Cristina Silveira Lemos, também da UFPA, e a Dra. Letícia Carneiro, representante da Secretaria de Estado de Educação do Pará (SEDUC/PA). Além deles, o Mestrando Jonadson Souza, envolvido no Programa de Empregabilidade Trans do ICJ/UFPA, trouxe insights valiosos. Adriana Barros Norat, delegada de Combate aos Crimes Discriminatório e Homofóbicos (DCCDH), trouxe uma perspectiva essencial sobre a legislação e políticas de combate à discriminação. O Prof. Dr. Geraldo Barros, do ICJ/FASEPA, atuou como organizador e mediador, facilitando as discussões, enquanto a advogada e especialista Anne Souza contribuiu com sua expertise jurídica. Juntos, esses profissionais promoveram um diálogo enriquecedor e crítico sobre os desafios e possibilidades para a inclusão de pessoas trans e de gênero não conforme no sistema socioeducativo.
Texto e Fotos: Dani Valente (Ascom Fasepa)